I –  Introdução

 

Discute-se no âmbito do seguro garantia a licitude da recusa do segurador em renovar o risco, caso a obrigação principal (garantida) subsista ao término do contrato de seguro. Sabe-se que esse descasamento – não desejado pelas partes, a princípio – pode ocorrer, seja em virtude de fato superveniente (consensual ou externo), a alterar de forma relevante o tempo ou o modo de cumprimento dos deveres previamente assumidos, seja pela própria dinâmica do negócio, o que conduz ao natural protraimento das bases temporais estabelecidas pelo tomador do seguro e pelo segurado – devedor e credor da prestação principal – no momento em que aperfeiçoaram a obrigação garantida. Essas vicissitudes, evidentemente, repercutem no seguro.

 

O segurador é livre para enjeitar riscos antieconômicos, ruinosos ou motivadamente contrários à sua política de subscrição. Essa realidade decorre, antes de tudo, do livre desempenho da atividade de gerir recursos-mútuos; do desenvolvimento de um ambiente de mercado com mínima estabilidade concorrencial; e, não menos importante, do primado da autonomia da vontade. Quando aceito o risco por determinado prazo de vigência contratual, não existe, em regra, a obrigatoriedade do segurador em renovar a apólice quando vencida[1], sendo o segurado (ou o tomador do seguro) compelido a socorrer-se de outros seguradores.

 

No seguro garantia, contudo, o tema descortina-se com maior complexidade. Há que se investigar (a) qual é a função do seguro garantia; (b) quais as particularidades das subespécies que decorrem desse contrato típico de seguro; (c) o que dizem os normativos que regulam a matéria; e (d) quais a intenção e a expectativa das partes no momento em que contrapõem direitos e deveres, formando o complexo obrigacional (tomador-segurado, quanto à obrigação garantida; e tomador-segurador, quanto ao contrato de seguro garantia).

 

II – Função e Limites

 

O seguro garantia consiste em meio de seguridade para o adimplemento das obrigações contraídas entre tomador e segurado. A sua função[2], entendida como a finalidade pela qual o negócio jurídico se estabelece no ordenamento jurídico, relaciona-se ao próprio objeto da prestação do seguro; ou seja, a obrigação ou o contrato garantido[3]. Essa função leva-o a viger concomitantemente ao objeto garantido, perante o qual se coliga[4].

 

Presume-se que o credor de determinada prestação, quando exige do devedor meios de seguridade para o seu adimplemento, almeja sejam esses disponibilizados o mais amplamente possível. No que diz respeito ao seguro garantia, é importante que alguns limites rígidos – que obedecem ao nexo funcional da sub-modalidade de seguro contratada e que se sobrepõem à vontade das partes contratantes – sejam compreendidos desde logo. Pode-se dizer que esses limites se estabelecem, fundamentalmente, sobre dois eixos: o do alcance do objeto contratado (valor da garantia) e o temporal.

 

Esses limites funcionais operam como verdadeiras “travas de segurança”, promovendo relativa estabilidade às obrigações mantidas entre tomador, segurado e segurador. A lei e o marco regulatório, por algumas vezes, induzem e, por outras, repelem eventual tendência das partes, caso pudessem, no momento da formação do contrato, exercer a sua vontade sem qualquer grau de intervencionismo.

 

Enxergue-se o fenômeno sob a ótica da capacidade de assunção de risco pelo segurador, por exemplo. O seguro garantia, nos contratos de grande vulto celebrados com a Administração Pública (Ramo SUSEP 0775), estrutura-se necessariamente em infra-seguro, considerando-se que a lei determina que o custo global da empreitada será garantido em até 10%[5]. Por outro lado, o seguro garantia judicial, independentemente se estipulado em favor de segurados públicos ou privados, consiste em permissão excepcional de sobre-seguro[6], na medida em que a lei determina, nessa modalidade, seja concedida capacidade de 130%, relativamente ao montante do interesse legítimo garantido[7]. Nos demais ramos e modalidades, especialmente os privados, o seguro garantia comporta indenizar (salvo convenção em contrário) até a integralidade da obrigação principal.

 

Todos esses seguros observam o princípio indenitário (CC, art. 781) e são contratados a primeiro risco absoluto (Circular SUSEP 477/13, art. 9º). Esse modelo de contratação significa o pagamento da totalidade da importância segurada (IS) quando a liquidação do evento coberto resultar em soma equivalente ou superior ao teto indenizatório; em sinistros de monta inferior, o segurado será plenamente indenizado. Ambas as hipóteses acarretam na extinção do contrato de seguro.

 

Depreende-se das fontes que a eficácia temporal do seguro garantia pode se dar de duas formas: a partir da contratação com vigência (a)limitada, a prolongar-se em um único risco de duração equivalente à da obrigação principal (Circular SUSEP nº 477/13, arts. 8º, I[8] c/c 16, VI[9]); ou (b) indefinida, com marcos periódicos de cessação do risco e de renovação consecutiva da avença, até que extinta a obrigação principal, por qualquer de suas causas (Circular SUSEP nº 477/13, arts. 8º, II[10] c/c 16, V[11]), sendo as mais comuns: (b.1) o implemento do risco, após configurada a inexecução pelo tomador; e (b.2) a cessação do contrato de seguro, em virtude de extinto o objeto garantido.

 

As imposições de lei quanto à capacidade de retenção de risco e os limites temporais do seguro garantia devem ser compreendidos a partir da análise da função dessa espécie de seguro. Desse modo, por mais que tecnicamente se imponha a emissão de apólices de seguro com vigências determinadas (CC, art. 760[12]), sobressai da essência do seguro garantia a coexistência ao interesse legítimo, mas com a revisão periódica das bases de equilíbrio econômico-financeiro entre as prestações ulteriores.

 

III – Regramento

 

O contrato de seguro garantia, como seguro de dano típico, subsume-se às normas e disposições relacionadas a essa espécie contratual, previstas no Código Civil brasileiro (arts. 757 a 786). Ressalte-se, aqui, a importância de se constituírem seguros garantia verdadeiramente aleatórios (filiados a eventos incertos e futuros), com riscos seguráveis, limitados – temporalmente, em virtude do objeto, e/ou pelas exclusões legais e contratuais –, e com viés indenitário.

 

No plano regulamentar, vige a Circular SUSEP nº 477, de 30 de setembro de 2013. Especificamente ao seguro garantia judicial, foi editada a Portaria PGFN nº 164, de 27 de fevereiro de 2014. Esse sistema de normas remonta a normativos anteriores da autarquia, como a Circular SUSEP nº 232, de 03 de junho de 2003[13], e, antes dela – com alguma similaridade –, a Circular SUSEP nº 214, de 09 de dezembro de 2002; ambas fazendo constar as informações mínimas que deverão figurar na apólice, nas condições gerais e especiais de seguro garantia. A Circular SUSEP nº 004/97 aprovou os modelos de texto de apólice, condições da garantia e tarifa para o seguro-garantia, e, por sua vez, a Circular SUSEP nº 008/92 estabeleceu as condições gerais, especiais e disposições tarifarias para os seguros garantia de deveres contratuais. A Portaria PGFN nº 164/14 derrogou a Portaria PGFN nº 1153, de 13 de agosto de 2009.

 

Esclareça-se que esses marcos legais e regulamentares não abrangem o sem-número de situações possíveis de serem reguladas no complexo obrigacional tomador-segurado-segurador. Por isso, torna-se extremamente importante a correta adequação do modelo em efetivo contrato de seguro, a partir do qual a vontade emitida exsurge como veículo formador da estrutura-base do negócio jurídico.

 

IV – Fonte Negocial

 

O escasso regramento específico acerca da matéria induz à inevitável conclusão de que no seguro garantia impõe-se acentuado grau de autonomia privada[14] para que, fundamentalmente, seja (a) estabelecido de forma satisfatória – e minimamente vinculante às partes – a pluralidade de direitos e deveres (estrutura, modos de exercício, limites) objeto da avença; e (b) suprida, pela aplicação preponderante da vontade, a lacuna da lei e das normas do setor, de modo que a finalidade do seguro, acima de tudo, decorra dos elementos e das características realmente úteis e desejadas pelas partes[15].

 

Mostra-se tarefa inútil tentar examinar o seguro garantia sem a perspectiva da análise da obrigação garantia; se advier de fonte negocial e contiver forma de contrato, a vontade manifestada pelas partes prevalece, devendo ser entendida como o elemento nuclear a partir do qual se funda a garantia do seguro. O seguro garantia legitima esses interesses primários.

 

Tantos quantos forem os modos e formas obrigacionais, em seus mais variados aspectos, desde que lícitos e observados os requisitos de sua validade e eficácia, podem ser garantidos por meio de seguro. As modalidades de seguro garantia previstas nos normativos da SUSEP, de forma geral, adequam-se aos interesses das partes no momento da coligação da seguridade ao interesse principal[16].

 

Desse modo, as partes contratantes do seguro (tomador e segurador) – observados, basicamente, os limites funcionais do seguro garantia e as hipóteses de perda de direitos, de inserção obrigatória na apólice –  devem concordar, no momento da formação do contrato de seguro, se a garantia diz respeito à relação de prazo definido, ou se visa a assegurar vínculo indeterminado, pela sua própria natureza, mas passível de expectativa de duração média.

 

É também interessante notar se as partes previram no instrumento originário hipóteses de alteração de modo de seguridade pelo tomador do seguro, possibilitando-as sejam adotadas ante o credor-segurado, transmudando-se o tomador em devedor simples da obrigação primitiva, exonerado o segurador. Essas cláusulas denotam a maior ou a menor intenção das partes em vincularem-se permanentemente ao seguro garantia, e o que pode resultar na conclusão pela (im)pertinência do tomador em pretender renovar o seguro, mesmo verificado tratar-se de obrigação que, pela sua natureza, delonga-se quanto ao cumprimento, a ultrapassar o prazo de vigência da apólice.

 

V – Seguro garantia judicial

 

Dentre as modalidades que, pelas suas próprias características e elementos, tomador, segurado e segurador sabem de antemão não ter prazo definido, emerge o seguro garantia judicial, cuja utilidade vincula-se ao adimplemento da dívida contraída pelo tomador em processo judicial, até que extinta aquela obrigação. Essa particularidade acentua-se se a seguridade for prestada a ente federativo pelo ajuizamento de execução fiscal contra o tomador. Por isso, o especial regramento da Portaria PGFN nº 164/14 define que [o] seguro garantia para execução fiscal e o seguro garantia parcelamento administrativo fiscal, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), visam garantir o pagamento de débitos inscritos em dívida ativa, respectivamente, em execução fiscal ou em parcelamento administrativo, na forma e condições descritas nesta Portaria.” (art. 1º).

 

Nos termos da Portaria PGFN nº 164/14, em seu art. 10, [f]ica caracterizada a ocorrência de sinistro, gerando a obrigação de pagamento de indenização pela seguradora: (…) b) com o não cumprimento da obrigação de, até 60 (sessenta) dias antes do fim da vigência da apólice, renovar o seguro garantia ou apresentar nova garantia suficiente e idônea. II – no seguro garantia parcelamento administrativo fiscal: (…) b) com o não cumprimento da obrigação de até 60 (sessenta) dias antes do fim da vigência da apólice, renovar o seguro garantia ou apresentar nova garantia suficiente e idônea.”. Isso demonstra um claro dirigismo (ou limitação à conduta diversa), no sentido de compelir as partes a manterem o seguro garantia judicial vigente.

 

A jurisprudência posicionou-se recentemente no sentido da obrigatoriedade da renovação de apólice de seguro garantia judicial, sob pena de configuração de sinistro da apólice:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – SEGURO GARANTIA – PENHORA INICIAL – APÓLICE COM PRAZO DETERMINADO – VALIDADE DESDE QUE HAJA PREVISÃO DE RENOVAÇÃO SEM IMPOSIÇÃO DE CONCORDÂNCIA FORMAL E EXPLÍCITA DA SEGURADORA E CONFIGURAÇÃO DE SINISTRO NA HIPÓTESE DE NÃO RENOVAÇÃO EM ATÉ 60 DIAS ANTES DO FIM DA VIGÊNCIA – ATUALIZAÇÃO DO VALOR SEGURADO PELOS ÍNDICES APLICÁVEIS AOS DÉBITOS INSCRITOS NA DAU – CLÁUSULA PARTICULAR QUE DEVE PREVALECER SOBRE A GERAL.

I – Não há óbice à previsão de termo para a validade da apólice securitária, na medida em que tal exigência é inerente ao próprio contrato de seguro; contudo, considerando que se mostra imprescindível que a dívida permaneça garantida até o desfecho do executivo fiscal, faz-se necessária a previsão de renovação da apólice, sem qualquer imposição de condição que permita invalidar o seguro no curso do processo, tal como no presente caso, em que há previsão da necessidade de prévia concordância formal e explícita da seguradora para a prorrogação.

II – A previsão na apólice acerca da caracterização do sinistro ‘com o não cumprimento da obrigação de, até 60 (sessenta) dias antes do fim da vigência da apólice, renovar o seguro garantia ou apresentar nova garantia suficiente e idônea’ não se apresenta plenamente eficaz, já que, mesmo diante da ocorrência de sinistro em razão da inércia da tomadora, permanece a possibilidade de recusa da renovação pela seguradora caso a tomadora tome a iniciativa de solicitar a prorrogação no prazo estipulado.” (TRF2, AI 0010463-81.2015.4.02.0000, Rel. Des. Sergio Schwaitzer, j. em 04.3.16)

 

Entende-se que a maior problemática do seguro-garantia judicial não reside na renovação consecutiva das apólices – [a] seguradora somente poderá se manifestar pela não renovação com base em fatos que comprovem não haver mais risco a ser coberto pela apólice ou quando comprovada perda de direito do segurado.”  (Circular SUSEP nº 477/13, Anexo I, Condições Especiais para Modalidade VI, Seguro Garantia Judicial, 4.2)[17] –, mas na possibilidade de que essa espécie de seguro torne-se disfuncional e antialeatória em virtude do compromisso do segurador em indenizar sem a ocorrência do risco, na hipótese de não renovar a apólice e o tomador não substituir a garantia.

 

Desse modo, especialmente o seguro garantia judicial (de segurados públicos ou privados), deve ser entendido a partir da presunção de conhecimento prévio e comum (do segurador, do segurado e do tomador) de que o prazo da obrigação garantida alongar-se-ia por tempo indefinido. Não se pode subtrair, da garantia, eficácia que é essencial à obrigação assegurada.

 

VI – Equilíbrio e estabilidade

 

Entendendo-se que o seguro garantia venha a tornar-se contrato que se protrai no tempo (principalmente na modalidade judicial), sobre ele incidem mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro, a manter o vínculo jurídico sempre estável e não oneroso para qualquer das partes. Veja-se que os contratos relacionais contêm uma cláusula intrínseca de reequilíbrio econômico-financeiro, consentânea aos princípios ordenadores do sistema, principalmente o da vedação ao enriquecimento sem causa e o da onerosidade excessiva[18].

 

Transcreva-se, nesse sentido, o lúcido excerto de voto do Ministro LUIZ FUX, segundo o qual [c]onsoante o princípio pacta sunt servanda, a força obrigatória dos contratos há de prevalecer, porquanto é a base de sustentação da segurança jurídica, segundo o vetusto Código Civil de 1916, de feição individualista, que privilegiava a autonomia da vontade e a força obrigatória das manifestações volitivas. Não obstante, esse princípio sofre mitigação, uma vez que sua aplicação prática está condicionada a outros fatores, como v.g., a função social, as regras que beneficiam o aderente nos contratos de adesão e a onerosidade excessiva.” (REsp 573.059/RS, 1ª Turma, j. em 14.9.04, p. DJ 03.11.04, p. 142 – sublinhou-se).

 

No seguro garantia, existe uma particularidade que parece ser relevante à sua estabilização, fazendo com que essa espécie de seguro insira-se, o mais  proximamente possível, em um critério de equilíbrio contratual dinâmico: segundo a regulamentação da Circular SUSEP nº 477 (art. 8º), o segurador é obrigado a dar cobertura às modificações prévias ao início da vigência do seguro, mesmo se posteriores à aceitação do risco (repactuando-se o prêmio e emitindo-se o endosso) (art. 8º, §1º); o segurador, contudo, pode enjeitar a alteração gravosa ao estado do risco, desde que superveniente ao início de vigência da apólice (art. 8º, §2º):

 

“§1º Quando efetuadas alterações de prazo previamente estabelecidas no contrato principal ou no documento que serviu de base para a aceitação do risco pela seguradora, a vigência da apólice deverá acompanhar tais modificações, devendo a seguradora emitir o respectivo endosso.

  • 2º Para alterações posteriores efetuadas no contrato principal ou no documento que serviu de base para a aceitação do risco pela seguradora, em virtude das quais se faça necessária a modificação da vigência da apólice, esta poderá acompanhar tais modificações, desde que solicitado e haja o respectivo aceite pela seguradora, por meio da emissão de endosso.”

 

Parece-nos que a validade dessa recusa do segurador submete-se à equação econômico-financeira, que impede seja o vínculo relacional desequilibrado de forma onerosamente excessiva e/ou ruinosa a qualquer das partes contratantes. Entende-se, outrossim, que o segurado pode invocar em seu favor, no momento da renovação, a eficácia relacional do contrato, caso seja possível às partes concordarem com que a obrigação principal, desde a gênese, tenha se assentado de forma contínua. A solução de extinguir o vínculo por onerosidade excessiva e/ou por ruína opera efeitos, igualmente, perante os legítimos interesses garantidos de natureza continuativa.

 

Ainda, a esse respeito, destaque-se que a técnica de renovação de apólices até a cessação do risco por perecimento de objeto (o tomador adimple totalmente a obrigação garantida) ou pela ocorrência de efetivo sinistro mantém o vínculo segurado-segurador minimamente estável; o seguro conserva a sua álea. O que deve ser perseguido pelo segurador, em todos os términos de vigência, é a readequação do complexo obrigacional às bases do negócio, buscando o equilíbrio das prestações e insurgindo-se à onerosidade excessiva ou à ruína (CC, art. 478 e ss.).

 

VII – Conclusão

 

Entendidos os limites e as regras impositivas de constituição do seguro garantia, reconhece-se um papel fundamental da autonomia da vontade para o preenchimento de espaços do lacunoso conjunto normativo atinente à matéria, a fim de que possa ser alcançada a plena função dessa modalidade de garantia, com acentuado viés no que as partes efetivamente pretenderam assegurar no momento da constituição do vínculo obrigacional primário (interesse).

 

A eficácia temporal do seguro vincula-se à natureza da obrigação garantida. Manifesta-se de forma limitada, em uma única vigência contratual, quando estática; ou de forma indefinida, com renovações sucessivas da apólice, cessando a seguridade pelo implemento do risco, após configurada a inexecução pelo tomador, ou pela extinção do objeto garantido.

 

Desse modo, ninguém melhor do que o tomador, o segurador, e o segurado (presumindo-se sempre a boa-fé desses agentes) para reconhecerem e conferirem efetividade aos elementos formadores das bases obrigacionais que originalmente contraíram – o que engloba o tempo de duração a que, organicamente, estão sujeitos os deveres das partes –, e o que repercute no seguro mantido em uma (ou mais) vigência(s). Se o segurador, segurado ou tomador detêm conhecimento prévio de que o prazo da obrigação garantida alonga-se por tempo indefinido, revela-se acertada a renovação da apólice enquanto perdurar o risco, em observância à utilidade do seguro garantia.

 

Os contratos de seguro garantia, como os negócios jurídicos que diferem no tempo, podem ser resolvidos por onerosidade excessiva, desde de que observados os requisitos de lei. Essa forma de extinção contratual não infringe a função do seguro ou a boa-fé objetiva, porque preserva o princípio de continuidade da garantia; o contrato será resolvido caso o agudo desequilíbrio torne insuportável a prestação de qualquer das partes.

 

[1] Abstraindo-se o eventual compromisso assumido por segurado e segurador mediante a cláusula de renovação tácita (Código Civil, art. 774).

[2] “Diz-se também, especialmente nos países causalistas que a causa, entendida, pois, como ‘função’ é o ‘elemento constitutivo’ do negócio. Ora, isso envolve a insuperável contradição de colocar a função como fazendo parte do negócio, quando jamais a função de um pode ser, ao mesmo tempo, elemento constitutivo dele. A conclusão (portanto, aliás, já havíamos tirado no título anterior), de que são coisas diferentes, o elemento constitutivo típico e a função prático-social do negócio, impõe-se à mente com toda a evidência; o primeiro é o que venho chamando de elemento categorial inderrogável, e a segunda é, realmente, a causa (observamos, entretanto, que a expressão ‘função’, aplicada à causa, adapta-se muito melhor aos casos de causa final que aos de causa pressuposta).” (ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Negócio Jurídico. Existência, Validade e Eficácia, Saraiva, São Paulo, 4ª edição, 2014, pp. 153/154)

[3] Circular SUSEP 477/13 – Art. 4º Define-se Seguro Garantia: Segurado – Setor Público, o seguro que objetiva garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador perante o segurado em razão de participação em licitação, em contrato principal pertinente a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, concessões ou permissões no âmbito dos Poderes da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou ainda as obrigações assumidas em função de: I – processos administrativos; II – processos judiciais, inclusive execuções fiscais; III – parcelamentos administrativos de créditos fiscais, inscritos ou não em dívida ativa; IV – regulamentos administrativos. Parágrafo único. Encontram-se também garantidos por este seguro os valores devidos ao segurado, tais como multas e indenizações, oriundos do inadimplemento das obrigações assumidas pelo tomador, previstos em legislação específica, para cada caso. Art. 5º Define-se Seguro Garantia: Segurado – Setor Privado, o seguro que objetiva garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador perante o segurado no contrato principal firmado em âmbito distinto do mencionado no art. 4º.

[4] Nesse sentido, “…[p]or contratos coligados compreende-se a celebração de dois ou mais contratos autônomos, mas que guardam entre si um nexo de funcionalidade econômica, a propiciar a consecução de uma finalidade negocial comum. (REsp 1519041/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 3ª Turma, j. em 01.9.15, p. DJe 11.9.15). Ainda, “[o]s contratos coligados são aqueles que, apesar de sua autonomia, se reúnem por nexo econômico funcional, em que as vicissitudes de um podem influir no outro, dentro da malha contratual na qual estão inseridos. ‘Por força de disposição legal, da natureza acessória de um deles ou do conteúdo contratual (expresso ou implícito), encontram-se em relação de dependência unilateral ou recíproca’ (MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 99). Nesse passo e em uma perspectiva funcional dos contratos, deve-se ter em conta que a invalidade da obrigação principal não apenas contamina o contrato acessório (CC, art. 184), estendendo-se, também, aos contratos coligados, intermediário entre os contratos principais e acessórios, pelos quais a resolução de um influenciará diretamente na existência do outro.” (REsp 1141985/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, j. em 11.2.14, p. DJe 07.4.14)

 

[5] Art. 56, §3º, da Lei nº 8.666/93: Para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia previsto no parágrafo anterior poderá ser elevado para até dez por cento do valor do contrato.”

[6] A esse respeito, remeta-se ao art. 15 da Circular SUSEP nº 447, de 30 de setembro de 2013, no sentido de que [é] vedada a utilização de mais de um Seguro Garantia na mesma modalidade para cobrir o mesmo objeto, salvo no caso de apólices complementares.”

[7] CPC, art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: (…) § 2º Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento (sublinhou-se);

[8] “O prazo de vigência da apólice será: (…) igual ao prazo estabelecido no contrato principal, para as modalidades nas quais haja vinculação da apólice a um contrato principal;

[9] “A garantia do Seguro Garantia extinguir-se-á na ocorrência de um dos seguintes eventos, o que ocorrer primeiro (…) quando o contrato principal for extinto, para as modalidades nas quais haja vinculação da apólice a um contrato principal, ou quando a obrigação garantida for extinta, para os demais casos;”

[10] “O prazo de vigência da apólice será:  (…) igual ao prazo informado na apólice em consonância com o estabelecido nas Condições Contratuais do seguro considerando a particularidade de cada modalidade, para os demais casos.”

[11] “A garantia do Seguro Garantia extinguir-se-á na ocorrência de um dos seguintes eventos, o que ocorrer primeiro (…) quando do término de vigência previsto na apólice, salvo se estabelecido em contrário nas Condições Contratuais do seguro”

[12] “A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.” (sublinhou-se)

[13] A referida Circular introduziu em nosso ordenamento o seguro de garantia judicial.

[14] Nesse sentido, [o] princípio da autonomia da vontade consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que se submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral, ou não o contradigam. Desse modo, qualquer pessoa capaz pode, pela manifestação de sua vontade, tendo objeto lícito, criar relações a que a lei empresta validade.” (SILVIO RODRIGUES, Direito Civil, Volume 3, Editora Saraiva, 28a edição, 2002, p. 16 – destacado no original)

 

[15] “O conceito de liberdade de contratar abrange os poderes de auto-regência de interesses, de livre discussão das condições contratuais e, por fim, de escolha do tipo de contrato conveniente à atuação da vontade. Manifesta-se, por conseguinte, sob tríplice aspecto: a) liberdade de contratar propriamente dita; b) liberdade de estipular o contrato; c) liberdade de determinar o conteúdo do contrato.” (ORLANDO GOMES, Contratos, 24a edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001, p. 22 – em itálico no original)

 

[16] Nesse sentido, cf. Circular SUSEP nº 477/13: “Art. 19 Observadas as normas em vigor e as demais disposições deste normativo, as sociedades seguradoras poderão, em relação às condições padronizadas disponibilizadas por esta Circular: I – submeter alterações pontuais; II – propor a inclusão de novas modalidades e/ou novas coberturas adicionais. Parágrafo único. Após analisar as alterações propostas pelas sociedades seguradoras a Susep poderá aceitá-las, recusá-las ou, ainda, aceitá-las parcialmente. Art. 20 As sociedades seguradoras poderão submeter produtos próprios por meio de planos não-padronizados, para a comercialização de Seguro Garantia, respeitadas as normas vigentes e as disposições previstas nesta Circular. §1º Os planos não-padronizados submetidos que contiverem quaisquer modalidades e/ou a cobertura adicional previstas nos anexos desta Circular deverão seguir na íntegra a redação contida nestes anexos. §2º No caso do parágrafo anterior, as sociedades seguradoras poderão submeter alterações pontuais, as quais serão analisadas pela Susep, nos termos do parágrafo único do art. 19.”

[17] a Circular SUSEP nº 477/13, Anexo I, Condições Especiais para Modalidade VI, Modalidade VII – Seguro Garantia Judicial para Execução Fiscal:, 4.2 contém redação idêntica, respectivamente.

 

[18] “Em virtude da justiça contratual, o contrato em sua formação e execução deverá respeitar o equilíbrio entre as prestações e um equilíbrio global entre os direitos e as obrigações que cabem a cada uma das partes, atuando como limite à autonomia da vontade. Cada parte, além de receber o equivalente ao que deu, não pode estar submetida a obrigações desproporcionais, dentro da economia global do contrato, buscando-se não o equilíbrio ideal, mas o mínimo que restaure a proporcionalidade inicialmente existente”. (FRANZ, Laura Carodani. Revisão dos contratos. Saraiva, São Paulo, 2007. p. 30)

“A justiça contratual, assim, passa a incorporar um conteúdo qualitativamente diverso: fala-se em justiça comutativa, de modo que o dirigismo contratual atuará para buscar o equilíbrio da relação contratual. Admite-se, pois a revisão do pactuado quando houver desequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato no curso de sua execução. Se no contrato clássico o princípio da pacta sunt servanda era quase absoluto, na nova ordem principiológica ele é relativizado, abrindo espaço para a cláusula rebus sic standibus, reputada como ínsita a todos os contratos.” RUZYK, Carlos Eduardo Pianowski. Os princípios contratuais: da formação liberal à noção contemporânea. In: RAMOS, Carmem Lúcia Silveira (Org.). Direito civil constitucional: situações patrimoniais. Curitiba : Juruá, 2002. p. 31)